Chica Sales

Viagem no plural

Fundação Fernando Leite Couto

Textos

Chica Sales viu pela primeira a luz do dia no Distrito de Panda, Província de Inhambane, uma zona remota do nosso país, e no seu percurso de crescimento e vivências em Inhambane, Nampula, Beira e Maputo, nunca se desligou do modo de vida das zonas rurais, onde a mulher é chefe de família, educadora, trabalhadora, exemplo de vida, para quem na comunidade todos buscam-na quando precisam de uma palavra de carinho, amor, ternura. Onde a mulher é o esteio de aliviar as dores e as frustrações e o arrimo multiplicador da solidariedade na carência crónica da casa e da comunidade. Inspira-se nos saberes da sua mãe, que lhe contou e conta infindáveis histórias de vida das mulheres que por este país têm de fazer o milagre da multiplicação do pão para a sobrevivência das suas famílias muito alargadas, como são a maioria das famílias moçambicanas. Nas suas pinceladas a óleo ou aguarela, com cores leves e suaves, as vezes com a cor crua do carvão do lápis, a Chica transporta para a tela ou para o papel reciclado, utilizando as diversas técnicas, o quotidiano, a luta, a serenidade, as dificuldades e as virtudes, a perseverança da mulher moçambicana simples, porém batalhadora nestas viagens. Esta exposição é mais uma ode as mulheres, pois elas são um ser com uma incrível capacidade adaptativa às agruras da vida. A mulher moçambicana é uma verdadeira guerreira. E a propósito da mulher guerreira, livro de poemas de Chica Sales intitulado “Silêncio Gritando” retirei um dos seus poe- mas que transcrevo a seguir. É esta a homenagem que nesta exposição a Chica Sales mais uma vez se propõe fazer a todas as mulheres do nosso país e dos quatro cantos do mundo. Com a sua poesia e a sua pintura, fala da importância da mulher moçambicana na mudança e desenvolvimento positivo e sustentável do mundo. Parabéns, Chica Sales, pelo contributo que tens dado a cultura e as artes em Moçambique. Continua com a tua vitalidade, pintando a nossa mulher, na cidade e no campo, na sua “Viagem no Plural”.

 

Eu sou guerreira

Que leva o bebé no colo às esquinas, tudo vendendo, para pão
poder comprar, para meu filho poder alimentar

Eu sou guerreira
Que invade a madrugada com legumes à cabeça, vendendo
o que posso, para meu filho poder alimentar

Eu sou guerreira
Que invade as fronteiras, “mukherista“ me chamam, comprando o
que posso para vender, para meu filho poder alimentar

Eu sou guerreira
Que palmilha a noite, meu corpo vendendo, o luar
testemunhando minha decadência, para meu filho poder alimentar

Eu sou a guerreira
De notas na mão, na fronteira, braço erguido sem dizer “viva“, sob
o Sol abrasador meus pés doendo, procurando pão, para meu filho poder alimentar

Eu sou guerreira
Que labuta em escritórios, fazendo o melhor, humilhação
sofrendo, dignidade tentando manter, para meu filho poder alimentar

Eu sou guerreira
De sonhos maravilhosos sem nunca poder vivê-los, batalhas
sobrevivendo sem vencer, numa vida que é vida sem ser...

Eu sou guerreira e sempre serei.

Chica Sales