Magafusso

Três Dedos e três Cores

Fundação Fernando Leite Couto

Texto da Exposição

Três dedos e três cores

Os artistas, sempre mais sublimes e filósofos na sua asserção, procuram e descodificam novas fórmulas e outros horizontes para redefinirem os ‘’elos’’ que nos unem como moçambicanos, na irmandade.

Magafusso, esse artista plástico registado em Inhambane Céu, terra da boa gente, encontrou as suas próprias formas de filosofar a nação, colocando, amiúde, as vicissitudes como mote maior da criatividade. Sabe bem, com todas as letras do seu alfabeto artístico, que faz parte da responsabilidade dos intelectuais e criativos das artes, pensar, reflectir e participar, sempre que possível, na redefinição da construção deste país e desta nação.

Usa as artes e telas, como terapia e balsamo para minimizar a dor do drama, do conflito de morte e da tragedia, e maximiza a esperança de um novo dia, de um amanhecer mais colorido e de um sol que ilumina a todos com a mesma tonalidade e indisfarçável arco-íris.

Conhecido por muitos e referenciado pelos Colegas como ‘’talento lapidado’’, Magafusso retoma as consequências, as perplexidades e o estado de aporias de um Moçambique contemporâneo, com limitados e intermitentes períodos de paz, impregnado nas telas as cores monótonas e pálidas, que reabrem as feridas de uma nação que almeja uma identidade sonhada de prosperidade e reinventa uma reconciliação através de uma linguagem paradoxal.

Não conviveu com Malangatana, porém retira do “Pai da pintura moçambicana”, Malangatana, o pendor de uma marca firme e lustrosa, enquanto bebe dos restantes o realismo, abstratismo e o nudismo de um povo que se quer indumentar e desfaz os caminhos desses reencontros. Pinta deste 1983, como resultado da sua inspiração e da vontade de conferir a este país a meritocracia da arte, a sagacidade da cor e dessa veia genética de seus pais, devotos, religiosos e amantes de cultura.

Para quem não o conheça, porém que tenha a oportunidade de contemplar suas telas, fica com a nítida sensação de que o autor tem alguma afinidade para com a obra ‘’Gernica’’, de Pablo Picasso, pintada a óleo em 1937, descrevendo consequências de um bombardeamento aéreo, sobre a população civil desta cidade, na Espanha

Esta noção de espiritualidade em Magafusso, reflecte e expressa, inequivocamente, esta sufocante e incompreensível dor e sofrimento do seu povo e seus contemporâneos. Estes são os espaços alternativos de clamor por uma outra ordem, um novo humanismo e pelas valências da democracia tao propalada como a salvação do mundo.

Por: Prof. Alexandre Chauque

 

“Três dedos três cores” pode ser a súmula da própria vida, e a vida são as cores que Magafusso explora nos seus quadros para reivindicar, com olhar profundo, a liberdade, ou para nos dar a luz e o amor. De graça. Ele tem a consciência da responsabilidade que lhe cabe como artista, ou seja, sabe que é um candelabro indispensável. Uma bóia luminosa que nos vai sinalizar a direcção certa a tomar no imenso mar existencial. Que nos acolhe a todos.

O título desta exposição tem uma ligação inabalável entre esses três elementos: os dedos da mão que segura o pincel, a mente e a pintura. Então, ao longo das obras aqui patentes, podemos perscrutar um sentimento radical de Magafusso, perante a arte. Teremos, em algum ponto do andamento da mostra, não propriamente um grito, mas um rito, porque quem apela a permanente vigilância sobre a identidade africana, cumpre um rito.

São obras que nos levarão, num determinado compasso da exposição, ao limbondo, dança dos macondes, que usam, mais do que a boca, o corpo para falar. Magafusso inclina-se aqui, neste quadro particular onde a dança parece ser a síntese da humanidade, perante o movimento mágico do esqueleto revestido de carne, lembrando-nos que toda a beleza passa pelo corpo, que não tem limites. De forma que o artista estampa isso como quem diz: depois de todas as batalhas e de todas as guerras e de todas as fomes e de todas as mortes, é preciso dançar.

“Três dedos três cores” não é um porto de partida, muito menos de chegada. Até porque a jangada de Magafusso não tem âncora. Desde que apresentou a sua primeira exposição individual (Silingo) em 1989 na cidade de Inhambane, nunca mais dormiu. Está sempre acordado, ou melhor, é sempre acordado pelas obras que falam alto sobretudo nas noites, quando ele está deitado na cama, tentando conciliar o sono.

Esta é a nova página do artista nascido na Maxixe, sem saber que já no ventre da sua mãe tinha sido escolhido para reverberar como ponto de orientação. É por isso que tem essa capacidade de descortinar o oculto, e remover os escolhos do caminho por via do pincel. E, na verdade, sentimos nesta mostra, o grande respeito que Magafusso tem pelo belo. Por isso, com a leveza dos dedos, todo este manancial artístico é tratado com delicadeza.

O resto fica por conta de quem vai contemplar o estendal de várias arestas, que incluem a fome, a guerra, o arrebatamento das mulheres fazendo tranças livremente, a caça furtiva, destruitiva da fauna, a música e, se calhar, teremos a dança no cume de tudo. Mas como onde há luz há amor, o amor vai prevalecer acima de todos os quadros. Porque as guerras – segundo o próprio Magafusso - são sinónimo de que a cegueira habita as nossas mentes...“Temos que ser curados no rio Silué”-