Amanhiça | Marcos P´fúka | Elias Manjate

Histórias com Cores e Vício-inverso, arteando Mia Couto

Fundação Fernando Leite Couto | Maputo

Conceito

Amanhiça molda a dureza e a severidade do ferro e dá-lhe sensibilidade e elegância a ponto de, inclusive, convencer às suas criaturas a ensaiarem o voo necessário nestes tempos de cólera, como quem lembra o amor de García Márquez. Mas se de facto os sonhos permanecem rentes ao chão, seja por causa desta Pandemia que é preciso não esquecer, seja por causa das balas de Palma que desconhecem o sentido da culatra…, ao menos as suas aves ainda se passeiam livres pelos cantos de uma casa chamada Terra, como diria o próprio Mia, e como se ao homem tivessem uma divina mensagem a transmitir, sabidos que são os seus conluios com o divino. Por isso as suas aves são também protetoras e sábias. É, portanto, todo um mundo elegante e sensível o de Amanhiça, seja pela presença das aves, seja pela imitação da vida, na mulher, ou ainda pela casa, o lugar do amor. A unir estas imagens, existem as formas circulares, algo que lembra também o sentido circular da vida em cada gesto fundido, como que a recordar-nos que é preciso não esquecer a esperança na regeneração. Há até nessa aparente dureza um passo de dança em cada objecto, a dança da própria vida. Façamos então um compasso com Elias Manjate.

O traço de Elias Manjate é azul como a dança do mar, castanho como o peso da terra, verde como o futuro, mas também pode ser incolor como a música. O que me interessa nele é o movimento e a transposição de sentidos ou o diálogo entre as imagens fundidas: na verdade, é como se não houvesse nenhuma cor e houvessem todas juntas irmanadas. Este sentido da transposição das cores devolve-nos um mundo sincrético, cria, por assim dizer, um mundo mestiço e mítico, do antes do nascer do sol. Será a luz o motivo de sermos diferentes? É, no entanto, um mundo vivo e vibrante, porque de muita energia própria. E esse mesmo mundo ganha forma Histórias com Cores e Vício-inverso, arteando Mia Couto e chama-se Mulher, e com ela nascem a esperança e as outras cores da vida. E porque falamos em diálogo, é preciso dizer que, tal como acontece em Amanhiça, Manjate volta a recordar-nos que o ser humano tem muito a aprender com as aves, da sua inteligência, sabedoria e protecção. Mas este projecto de aprendizagem exige a imolação dos sentidos, pois o cabrito não pode continuar amarrado à terra, porque a terra é de todos. Afinal podemos ler aqui a mesma regeneração da vida ou a instalação da música que se dança nos ferros de Amanhiça. Continuemos então a dançar e, finalmente, com Marcos P´fuka.

Marcos P´fuka acende luzes no fundo do túnel, espanta medos e nos devolve o calor sensível ao olhar. O seu mundo cheio de sóis e calores reconstrói-se em nós através da retina da ave, como acontece com Amanhiça e Manjate. É um universo multicolor e tenso de feitiço, porque afinal a ave pode transfigurar-se em mulher e vício-inverso. Por isso a metamorfose é o seu signo, e o resultado pode ser um monstro encantado. Mas este signo não é maior que o sentido da visão, que se insinua num amarelo estrutural, evocação da saudade do amor e da esperança, evocação de mundos possíveis, afinal esses seres fantásticos vivem no olhar de quem vê e assim sobrevivem desde os tempos ancestrais, pois «Essa peçonhenta criatura procura pessoas felizes para as morder e as envenenar, sem que elas se apercebam nunca.» E assim não está escrito no livro do Géneses: não foi a mulher que mordeu o mundo para a sua infelicidade? Mas também não foi a mulher que nos ensinou a arte de olhar (a maçã?) para aprendermos as cores que nos libertam das trevas? Não é essa ave-mulher ou mulher-ave que desde o nascer da terra adeja sobre os sonhos do mundo?

Lucílio Manjate

 

Obras

Marcos P´fúka

Mulher sem ser Mulher; Dimensões: 80x60 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2019
Nós mulheres será que nascemos para sofrer?; Dimensões: 100x80 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2019
A ave metamorfoseada; Dimensões: 90x60 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2019
A minha gravidez; Dimensões: 90x60 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2019
O senhor vê-me?; Dimensões: 72x52 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2019

Elias Manjate

Aprendendo a falar a língua dos pássaros; Dimensões: 49,8x39,7 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2019
Cabritismo; Dimensões: 78,9x38,9 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2020
A prostituta cega; Dimensões: 49,8x39,7 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2020
O musicador; Dimensões: 49,8x39,7 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2021
Máscaras de pudor; Dimensões: 49,8x39,7 cm; Técnica: Óleo sobre tela; Ano: 2020

Amanhiça

Vestido de gala; Dimensões: 142x40x12 cm; Técnica: Escultura em ferro; Ano: 2020
Ensaios para o primeiro voo I; Dimensões: 97x70x28 cm; Técnica: Escultura em ferro; Ano: 2020
A dança do flamingo solitário; Dimensões: 114x48x28 cm; Técnica: Escultura em ferro; Ano: 2020
De costas para o por-do-sol, a espera dos meus ninguéns; Dimensões: 97x50x3 cm; Técnica: Escultura em ferro; Ano: 2020
Os cantares do mocho; Dimensões: 58x29x6 cm; Técnica: Escultura em ferro; Ano: 2020

 

Informação

Exposição patente de 07 a 31 de Julho 2021.

Fundação Fernando Leite Couto - Av. Kim Il Sung, 961, Maputo, Moçambique